top of page
Humberto Moureira

Cinema negro – Um papo com Greg de Cuir Jr.


O 72º Festival de Locarno, primeira edição sob a batuta da diretora

artística Lili Hinstin, apresenta a retrospectiva sobre cinema negro

Black Light. Serão exibidos 47 filmes com a curadoria de Greg de Cuir

Jr, exibidos nos onze dias de festival. A mostra tem foco em filmes que

apresentem a cultura negra em um âmbito internacioal. O primeiro

filme negro Within Our Gates (1919), de Oscar Micheaux é uma das produções que poderá ser vista. Também estão na lista de exibição Orfeu Negro (1959), de Marcel Camus, Amor Maldito (1984) de Adélia Sampaio e Abolição, de Zózimo

Bulbul.


Nos encontramos com Greg de Cuir Jr para um bate-papo antes da sessão de Boyz’n

Hood no cinema Grand Rex em Locarno.


Qual é a pergunta que mais te fazem?

De onde você é? Por que você mora aqui? De onde é o seu sobrenome? risos… Eu sou

de Los Angeles. Já apresentei aqui um filme que mostra de onde eu sou ou relacionado

ao meu sobrenome. Eve‘s Bayou [de Kasi Lemmons] é sobre Louisiana [EUA], é sobre

pessoas e jeitos de viver, sobre um pequena cidade, é de onde venho. No filme, as

garotas se mudam para Los Angeles e começam uma nova generação. Esse pode ser

uma boa resposta para o meu nome. Penso que mais importante do que perguntar de onde você vem, talvez, seja mais propicio perguntar para onde você vai.

Ótima questão! Ninguém jamais me perguntou isso. Geograficamente ou fisicamente,

eu trabalho de maneira independente. Então, depende do meu trabalho e das

oportunidades que virão. Estou aberto para ir para qualquer lugar. Quero continuar o

trabalho no universo de filmes, de arte e acadêmico. Hoje em dia estou mais envolvido

em arte e quero continuar trabalhando com museus, galerias, fazendo exposições,

fazendo curadorias. Lidando com com artistas visuais ou filmmakers e mesclando os

dois universos. Essa retrospectiva é super interessante para mim, porque isso não é

exatamente o que eu faço. Geralmente, eu trabalho com formas alternativas de

cinema, filme não convencional, não comercial, experimental, underground,

documentário, híbrido e curta-metragem. Eu também tenho trabalhado para grandes

festivais de cinema como o de Locarno.


Como você chegou aqui?

Encontrando pessoas, conversando, discutindo ideias, conectando ideias. Estando no

lugar certo na hora certa. Todos os clichês… risos

Não podemos separar o curador que você da personalidade que tem e muito

menos da sua etnia. Você já se sentiu estranho/ isolado no universo de filmes?

Todos os lugares que eu vou. Eu diria que sou viajante ou estrangeiro. Não faço parte

do mainstream. E não é porque eu moro e trabalho Sérvia, mas porque eu também

trabalho no continente europeu. Eu vou falar sobre isso quando eu apresentar Boys’n

Hood [de John Singleton]hoje a noite. Eu cresci na Califórnia. Eu passei bastante

tempo em L.A. Fui para escola no norte da Califórnia. São mentalidade diferentes.

Pessoa de uma região diziam que era mais da outra e vice-versa. Eu sempre estive no

meio. Tenho sempre a sensação que estou indo de algum lugar para outro. Não sei

para onde estou indo, voltando à sua pergunta, mas estou aproveitado a jornada.

risos…


A ideia era ter diretores de diferentes regiões,
culturas, políticas, religiões e sexualidade e todos
eles dividindo o mergulho na investigação e
celebração de culturas negras.

Por quê a retrospectiva se chama Black Light?

Por diversas razões. A primeira razão é a referência como cinema a arte de luz e

sombra. A ideia de um projetor jogando luz na tela e ativando essa mistura de sombra

e luz que todos nós amamos. É também simbólico a ideia de um spot luz colocando

brilho sobre filmes e filmmakers que acredito que em alguns casos não são bem

respeitados e celebrados e que também não tiveram a oportunidade de se

encontrarem e estabelecer um dialogo entre si, colocando ideias em novas pessoas. Ao

mesmo tempo cientifico. A luz negra ou ultravioleta expõe coisas que que não podem

ser vistas ou que são imperceptíveis ao olho nú.




Como foi feita a seleção dos filmes?

Antes de qualquer coisa o filme precisa apresentar a cultura negra no senso

internacional. A segunda ideia era deixar a África e pensar em quando pessoas negras

foram forçadas a deixar os seus países e sobreviver. O objetivo era não limitar

somente diretores negros atrás das câmeras porque a definição de cinema negro,

penso, que não deve ser definida pela presença de um corpo negro na frente ou atras

das câmeras. A ideia era ter diretores de diferentes regiões, culturas, políticas, religiões

e sexualidade e todos eles dividindo o mergulho na investigação e celebração de

culturas negras. A ideia era estudar o passado e entender onde estamos nesse

particular momento na cultura negra quando falamos sobre filmes.


Veremos filmes de diretoras?

Nós temos menos de 15% de mulheres no programa. Minha ideia era ter mais

mulheres poderosas no programa. É fato, que temos mulheres poderosas em todo os

cantos mundo, mas a realidade é que quando você olha para a passado menos

exemplos você tem, porque o número de filmes feito por mulheres era ainda menor.

Esse número é limitado por razões históricas, mas existe algumas outras produções

que não estão no programa por questões de orçamento ou disponibilidade. Nós todos

temos muito trabalho pela frente para atingir o ideal neste quesito e ter certeza de que

existe representação.

Hoje em dia é mais fácil fazer um filme e
distruibuí-lo, mas é bem mais difícil atrair
olhares para ele

Você trabalha com diversos festivais de cinemas. Você vê pessoas negras nas

comissões de seleção, nas moderações, no público…

É interessante… Eu escrevi meu catalogo sobre o espaço de cinema como um espaço

segregado. Essa é a minha primeira vez neste festival. Em muitos lugares por onde

tenho viajado não vejo negros. Em Londres ou Berlim eu até vejo, pois são cidades

grandes. O mundo da arte é conservador e, claro, o mundo do cinema também. Já

estive em lugares em que eu era única pessoa negra na sala, na reunião, na exposição,

na discussão, no cinema. Eu sei o que me espera em festivais, mas é interessante ver o

meu corpo no palco apresentado esses filmes. Na nossa estreia apresentamos La

Permission, do Melvin Van Peebles. risos… Em 1968, onde não tinha negros fazendo

filmes na França, Van Peebles era provavelmente o único no cinema. Na nossa estreia

tínhamos uma colega do Brasil. Ela estava no meio da audiência que tinha quase 500

pessoas e pensei:”Eu devo ser a única pessoa negra nessa sala.” Eu entendo esse

sentimento. No final das contas, esse é trabalho e precisa ser feito. A ideia é: tem gente

vindo para festa e vamos dar a eles algo, vamos dividir algo com eles. Eu estou em uma

posição que posso ajudar as pessoas a mudar de ideia e aprender alguma coisa


A internet, mídias sociais, plataformas, streaming tem contribuído com o cinema negro?

Sim, de alguma maneira. O custo da produção é mais baixo, a internet ajuda na

distribuição. Hoje em dia é mais fácil fazer um filme e distruibuí-lo, mas é bem mais

difícil atrair olhares para ele. Nós temos uma galáxia de informação online. Tecnologia

abre um número de possibilidades. Eu não sou contra ou a favor. Também não

reclamo disso, mas a mídia tem mudado. Nós não sabemos o que será daqui em 60

anos, mas a tecnologia abraça as pessoas. Nós usamos essas ferramentas, tentamos

subverter e ver o que acontece.





bottom of page